Artigo: O direito e o poder
*Ives Gandra da Silva Martins
Em meus livros “Uma Breve Teoria sobre o Constitucionalismo” (Ed. Magister) e “Uma Breve Teoria do Poder (Ed. Resistência Cultural), procurei esclarecer minha concepção de que as teorias jurídicas sobre o Poder e o Direito são meras formulações acadêmicas, que os governantes aceitam ou não, conforme a imposição de sua vontade, sendo o querer do povo relevante nas democracias, mas nem por isto o mais forte, e inexistente nas ditaduras.
As teorias jurídicas sobre o Direito e aquelas sobre o poder são sempre
decorrentes da observação do exercício dos que assumem o poder ou aplicam a
lei, os quais normalmente não estão preocupados com teorias, apenas o sendo
quando são obrigados a respeitá-las. Em sua perspectiva do poder, não poucas
vezes, adotam a interpretação que lhes seja mais conveniente, mesmo que não a
melhor, se não encontram oposição suficiente. Esta realidade torna a reflexão
acadêmica sobre o poder e o direito atividade prazerosa, o mais das vezes,
entretanto, sem utilidade maior.
Por esta razão, os grandes doutrinadores sobre o Direito e o Poder são
lembrados por suas teorias, poucos sendo aqueles que se notabilizaram pela
aplicação das mesmas. Alguns não foram tão bem sucedidos como Pitágoras em
Crotona ou Aristóteles, ao ver seu discípulo Alexandre não seguir suas lições,
assim como, no campo do Direito, a época do Governos dos juízes foi o pior
período da história de Israel.
À evidência, se os políticos e os magistrados, no mundo inteiro, nem sempre
primaram pela melhor conduta, não sendo poucas as histórias pitorescas sobre
seu comportamento menos ético, quando não trágicas na aplicação de sentenças
cruéis, guerras ou perseguições dramáticas, que marcaram o evoluir da
humanidade, nem por isto deixou de haver estadistas e símbolos da magistratura,
tendo eu o privilégio de ter convivido com um destes juízes exemplares para o
mundo José Carlos Moreira Alves, no Brasil, e conhecido pessoalmente, nos
Estados Unidos, o grande Antonin Scalia.
O certo é que o mundo passa por um período de escassez de grandes políticos,
tendo algumas vezes os magistrados assumido mais o papel de políticos do que de
julgadores e aplicadores da lei que não poderiam ou deveriam elaborar.
Em relação aos políticos, o baixo nível de conhecimento de teorias políticas,
por falta de leitura dos clássicos, talvez seja um dos fatores desta
reincidência permanente dos erros históricos que, através dos tempos, tem
praticado.
No Brasil, por exemplo, não se discute o carisma do Presidente Lula, mas, não
obstante o grande número de doutoramentos “honoris causa” que possui, a leitura
dos clássicos nunca parece ter sido sua maior especialidade.
Na Suprema Corte, apesar da qualidade intelectual de seus Ministros, apenas
três dos onze vieram da magistratura. Os demais passaram a ser magistrados
quando escolhidos por seu único eleitor, que foi o Presidente da República.
Como participei de três bancas de exame para magistratura, tendo examinado em
torno de sete mil candidatos para escolha, na soma dos três concursos (dois da
magistratura federal e um da estadual), de menos de cem magistrados, sei o
quanto é difícil ser um juiz de primeira instância no Brasil.
Por isto, volto à proposta feita à Constituintes de que o ideal seria, para a
escolha de magistrados do Supremo Tribunal, que o Conselho Federal da Ordem
indicasse seis nomes, o Conselho do Ministério Público seis e os três tribunais
superiores, seis (STF, STJ e TST). O presidente escolheria um entre os 18 nomes
indicados pela cúpula das três Instituições e, necessariamente, oito dos
Ministros viriam da magistratura e três, alternadamente, do Ministério Público
e da Advocacia, preservando-se o denominado “quinto constitucional”, não tão
quinto assim.
Enfim, são algumas considerações sobre Direito e Poder para os meus leitores.
*Ives Gandra da Silva Martins é
professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O
Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme),
Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª
Região, professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin
de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das
Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da
Universidade do Minho (Portugal), presidente do Conselho Superior de Direito da
Fecomercio -SP, ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do
Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).
Foto: Andreia Tarelow.