Lei da igualdade salarial: impactos para as empresas e as necessárias adequações
*Ana Paula De
Raeffray - Cristina Canedo
A premissa da Lei nº 14.611, de 3 de julho de 2023 de igualdade salarial
e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres merece louvor e se
harmoniza com paradigmas internacionais, Como as Convenções da Organização
Internacional do Trabalho – OIT de números 100 e 111, que tratam,
respectivamente sobre a igualdade de remuneração e discriminação e com comandos
da nossa Constituição sobre igualdade (art. 5º, caput) e sobre a proibição
de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por
motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (art. 7º, XXX).
Sem embargo, todavia, da incontestável relevância de se promover a igualdade
salarial entre homens e mulheres, os mecanismos adotados por essa Lei e seus
regulamentos - Decreto 11.795/23 e Portaria 3.714/23 - violam os próprios
princípios constitucionais alicerces da premissa que se quer efetivar com
impactos preocupantes para o setor produtivo.
Esse arcabouço legal determina que empresas com 100 (cem) ou mais empregados
são obrigadas a publicar, semestralmente, relatórios de transparência salarial
e de critérios remuneratórios, com a finalidade de comparar salários,
remunerações e a proporção de ocupação de cargos entre homens e mulheres,
contendo, no mínimo: (a) cargo ou ocupação, conforme a CBO; e (b) o valor do
salário contratual, do 13º salário, de gratificações, comissões, horas extras,
adicionais (noturno, insalubridade, periculosidade, etc) aviso prévio, descanso
semanal remunerado, gorjetas e outras parcelas que componh am a remuneração por
força de lei ou norma coletiva.
Esse relatório é elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego - MTE com base
nas informações prestadas pelas empresas no eSocial e informações
complementares extraídas de um questionário preenchido por elas no Portal
Emprega Brasil. Cada empresa deve publicar o seu relatório nos seus sítios
eletrônicos, redes sociais ou similares, com ampla divulgação, nos meses de
março (o que já ocorreu esse ano) e no setembro.
Com essa publicação, as empresas nas quais forem identificadas desigualdades
salariais e de critérios remuneratórios deverão elaborar num prazo de 90
(noventa) dias uma plano de ação com medidas para mitigar ditas desigualdades,
com metas, prazos e mecanismos de aferição de resultados, planejamento anual e
avaliação das medidas de forma semestral; promoção da diversidade e inclusão no
trabalho; e, capacitação e formação das mulheres para ingresso e ascensão no
mercado de trabalho em igualdade de condições.
Destaca-se que a elaboração e implementação do plano deve contar com a
participação de representantes sindicais e dos empregados, na forma
estabelecida por instrumento coletivo, e, se inexistente, por meio de comissão
de empregados (art. 510-A CLT).
Tal marco legal, contudo, é inconstitucional, pois despreza as hipóteses
legítimas de diferenças salarias conformadas pelo legislador no artigo 461 da
CLT, que permite salários diferentes para o mesmo cargo ou ocupação, quando
atividades na mesma função são prestadas ao mesmo empregador, mas
estabelecimentos distintos ou em trabalhos com diferente produtividade e
perfeição técnica ou diferença de tempo de serviço entre trabalhadores na mesma
função superior a quatro anos ou diferença de tempo de função na mesma empresa
superior a dois anos ou existência de plano de cargos e salários. &
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Também viola os princípios do contraditório e da ampla defesa, pois o relatório
deve ser publicado independentemente de as empresas poderem justificar
eventuais diferenças existentes e calcadas em justificativas legais. Se a
empresa não publicar o relatório estará sujeita à multa administrativa no valor
de até 3% (três por cento) da folha de salários da empresa (limitado a 100
saláriosmínimos). Se publicar, e, se constatada diferenças salariais com base
no relatório de transparência salarial estará sujeita a multa correspondente a
10 (dez) vezes o valor do novo salário devido pelo empregador ao empregado
discrimin ado e indenização por danos morais.
É fato que há em trâmite Ações Diretas de Inconstitucionalidade – ADI perante o
Supremo Tribunal Federal - a ADI 7612 promovida pela Confederação Nacional da
Indústria (CNI) e pela Confederação Nacional do Comércio, Bens, Serviços e
Turismo (CNC) e a ADI 7631 promovida pelo Partido Novo - questionando a
constitucionalidade da legislação em questão, mas ainda não há indicação de
quando ocorrerá o julgamento que, ao que tudo indica, se dará pelo plenário.
Muitas empresas, entrentanto, ainda não se deram conta, de que estando
vigente essa legislação, podem ter impactos de imagem, concorrência, custos
decorrentes da insegurança jurídica decorrente dessa chancela legal da
subjetividade, que não deixa clara a necessidade de comprovação efetiva e
indubitável da discriminação.
E, a solução mais adequada a ser adotada para a empresa, como o ajuizamento de
ação judicial, a elaboração do Plano de Mitigação e a defesa administrativa de
eventual autuação da fiscalização trabalhista passa pela análise de cada caso
concreto, pois cada estabelecimento tem uma realidade e uma justificativa
específica.
Alerta-se, que já há um movimento do MTE para a criação de um planejamento
específico para monitorar e fiscalizar o cumprimento dessa legislação. Isto
significa que tais empresas devem se preparar não só para a defesa em relação
aos eventuais autos de infração que lhes forem aplicados, mas também para
elaborar e implementar o Plano de Ação no prazo de 90 (noventa) dias após à
notificação da auditoria fiscal que identificou desigualdades com base nessa
legislação.
Não se tem dúvida de que as empresas devem se antecipar na adoção de medidas e
dos procedimentos afim de evitar ou mitigar os impactos à que estão sujeitas,
sem perder de vista, a trilha da premissa da efetiva igualdade salarial
objetiva e calcada nos princípios constitucionais.
Ana Paula De Raeffray é
advogada, doutora em Direito pela PUC-SP e sócia do escritório Raeffray
Brugioni Advogados.
Cristina Canedo é advogada nas áreas consultiva e contenciosa em Direito Empresarial, Tributário e Trabalhista. É formada em Direito pela Faculdade de Direito da Fundação Mineira de Educação e Cultura – FUMEC, pós-graduada em Direito Tributário pela Universidade Gama Filho e pela Fundação Getúlio Vargas – FGV.