Aposentadoria especial e a cobrança da Receita Federal
Contribuição
adicional para custeio da aposentadoria especial e a cobrança equivocada pela
Receita Federal
O que antes era apenas uma possibilidade de exigência fiscal
vem se concretizando, haja vista que inúmeras empresas têm sido alvo de
cobranças por parte da Receita Federal do Brasil – RFB – da contribuição
adicional ao Risco Ambiental do Trabalho - RAT (6%, 9% ou 12%) para custeio de
aposentadorias especiais, inclusive de forma retroativa aos últimos cinco anos,
em razão da Tese nº 555 fixada pelo Supremo Tribunal Federal em Recurso
Extraordinário com Repercussão Geral (ARE 664.335).
Discutia-se no citado recurso a possibilidade, ou não, de o fornecimento de
Equipamento de Proteção Individual - EPI, informado no Perfil Profissiográfico
Previdenciário (PPP), descaracterizar o tempo de serviço especial para fins de
concessão de aposentadoria especial.
O STF decidiu o caso e fixou tese de repercussão geral com dois pontos. No
primeiro, o STF determinou que, se o EPI for efetivamente capaz de neutralizar
a nocividade, não haverá suporte constitucional para a aposentadoria especial.
No segundo, estabeleceu que, mesmo havendo declaração do empregador sobre a
eficácia do EPI, se o trabalhador estiver exposto a ruído acima dos limites
legais de tolerância, permanecerá hígido o seu direito ao cômputo do tempo de
serviço especial para aposentadoria.
Sob o argumento de estar embasada nessa decisão do STF, a Receita Federal vem
lavrando autos de infração para cobrar retroativamente a contribuição adicional
destinada a financiar a aposentadoria especial.
Essas cobranças se intensificaram com a publicação do Ato Declaratório
Interpretativo nº 2/2019 da RFB, que determina ser devida a contribuição
adicional para o financiamento da aposentadoria especial ainda que sejam
adotadas medidas de proteção que neutralizem ou reduzam o grau de exposição do
trabalhador ao agente insalubre a níveis legais de tolerância.
No entanto, essa interpretação do ato declaratório e, por conseguinte, a
cobrança da contribuição, contrariam a lógica imposta pelo STF, pois implicam
na obrigação de pagamento da contribuição adicional mesmo nos casos em que não
estejam presentes hipóteses legais de sua incidência. Relembre-se que a primeira
tese firmada pelo STF é no sentido de que se o EPI for eficaz, não há que se
falar em aposentadoria especial.
Na verdade, o fato gerador da contribuição adicional é complexo e se concretiza
pela efetiva exposição do trabalhador a agentes químicos, físicos e biológicos
prejudiciais à saúde, pelo tempo previsto em lei. Já a concessão da
aposentadoria especial decorre de uma relação jurídica distinta, entre
trabalhador segurado e o INSS, que depende de prova, por vezes, inclusive,
pericial.
Portanto, não se pode inferir a existência do fato gerador tão somente pela
concessão do benefício previdenciário, pois a concessão do benefício
previdenciário não é e nunca foi a hipótese de incidência da exação.
O desalinhamento entre a decisão do STF e a atuação fiscalizatória da Receita
Federal expõe as empresas a situação de permanente insegurança jurídica
com fortes impactos econômicos, razão pela qual é preciso que as próprias
empresas defendam a correta interpretação da decisão do STF, utilizando-se de
argumentos jurídicos que propiciem o afastamento de exação fiscal que está
sendo criada pela RFB por mero ato declaratório, alimentando a voracidade
arrecadatória.
Ana Paula De Raeffray é
advogada, doutora em Direito pela PUC-SP, Professora de Direito Previdenciário
da PUC/SP e sócia do escritório Raeffray Brugioni Advogados
Franco Mauro Russo Brugioni – advogado, sócio do escritório Raeffray Brugioni Advogados. MBA em Gestão e Business Law pela Fundação Getúlio Vargas – FGV. Relator Vice-Presidente da Terceira Turma Disciplinar do Tribunal de Ética Disciplinar da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo.
Fotos: Divulgação-Gabriela Romão.