Dúvidas sobre a simplificação do sistema tributário
*Ives Gandra da Silva
Martins
Hamilton Dias de Souza, Humberto Ávila, Roque Carrazza e este
articulista temos escrito e dado palestras sobre a reforma tributária desde que
o projeto de emenda constitucional foi apresentado pelo Governo Federal ao
Congresso Nacional com poderes de constituinte derivado.
Partindo do princípio que o sistema era complexo, inseguro e oneroso,
buscou a EC 132/2023 resultante do projeto apresentado, e propôs pelo artigo
145, §3º da CF, criar um sistema “simples, transparente e justo
tributariamente”.
A fim de conseguir os três desideratos instituiu sistema com três vezes
mais disposições constitucionais do que temos no atual. Ocorre que os
princípios, normas e regras de uma Constituição exigem um grau de conhecimento
muito mais acurado que da legislação infraconstitucional, pois a eficácia e a
validade do que for dito e interpretado pelas Cortes Superiores influirá toda a
legislação inferior.
Compreende-se a nossa perplexidade quando vimos aprovada esta “triplicação
simplificadora”.
Por outro lado, o Código Tributário Nacional, que tem eficácia de legislação
complementar, possui 218 artigos para todos os tributos brasileiros das 3
esferas da Federação.
A nova legislação complementar, para dois tributos apenas, tem no primeiro PLC
499 artigos e no segundo PL 108/2024 197, faltando ainda entregar o Governo ao
Congresso o terceiro projeto.
Nossa perplexidade com tais propostas só aumentou, até porque tais projetos não
são apenas de normas gerais, mas também e principalmente de normas de aplicação
impositiva, pois
criam os regimes a serem obrigatoriamente seguidos pela União, Estados e
Municípios.
Acresce-se que todo o sistema basear-se-á na contribuição
sobre bens e serviços a partir de 2026 de competência da União, cujo regime
jurídico será necessariamente o mesmo do IBS de Estados e Municípios que
entrará em vigor no ano de 2029, não com administração de Estados e Municípios,
mas de um Comitê Gestor de 54 cidadãos.
Como se percebe, 26 Estados e Distrito Federal e 5.569 Municípios abrem mão de
gerir seus tributos (ICMS e ISS) para que tal Comitê Gestor, com sede em
Brasília, o faça. Nele, teremos 27 delegados dos 26 Estados e DF e 27
delegados dos 5.569 Municípios, sendo 13 deles escolhidos por critério
populacional e 14 nominal.
À evidência, como o ISS representa a arrecadação de 43% dos Municípios e o ICMS 88% dos Estados, percebe-se que a autonomia financeira dos Estados e Municípios fica consideravelmente reduzida.Acresce-se as novidades que todos aqueles que interpretarão esta legislação simplificadora, terão pela frente: um imenso número de dispositivos.
Para complicar a reforma simplificadora, desde 2025 até 2032, todas as empresas terão que manter sua equipe tradicional para pagamento do ISS e ICMS, e uma nova equipe para estudar o novo sistema que entrará em vigor no dia 01/01/2026 para a CBS e em 2029 para o IBS. Por que? Porque os 2 sistemas coexistirão até dezembro de 2032 se não houver prorrogação. Assim, o custo das empresas para ser contribuinte, será consideravelmente acrescido por 8 anos!!!
Estranha a simplificação
“The last, but not the least”. Todos os Estados e Municípios que são
“exportadores líquidos” de produtos e serviços perderão receita. Os Estados, no
diferencial entre “exportação de produtos” 2/3 do ICMS e os Municípios a
totalidade do ISS, nos serviços, pois tudo ficará com os Estados e Municípios
“importadores”. Para compensar, a União destinará 60 bilhões de reais para tais
perdas e outras.
Quem sofrerá com este acréscimo de recursos a serem disponibilizados? Temos,
pois, os quatro (Hamilton Dias de Souza, Humberto Ávila, Roque Carrazza),
sérias dúvidas sobre a simplificação do sistema.
*Ives Gandra da Silva Martins é
professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O
Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme),
Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª
Região, professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin
de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das
Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da
Universidade do Minho (Portugal), presidente do Conselho Superior de Direito da
Fecomercio -SP, ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do
Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).
Foto: Andreia Tarelow.