Há algo de muito errado nas finanças do Governo Federal
*Ives Gandra da Silva
Martins
O Brasil atingiu, segundo os jornais da semana passada, cifra superior a um
trilhão de reais da dívida pública (R$ 1.000.000.000.000,00). O arcabouço
fiscal faz água e as previsões para cima (déficit futuro) crescem, por enquanto
com a promessa de que o superávit pretendido apenas ficará menor. Roberto
Campos ironizava, no passado, que as promessas dos detentores do Poder
comprometiam apenas as pessoas que as ouviam. No caso, os economistas do
mercado, pois são realistas, sabem que dificilmente as promessas do governo
Lula sobre o arcabouço serão mantidas.
O certo é que o governo não tem merecido a confiança do empresariado
brasileiro, circulando nos jornais no início do mês uma nota de repúdio das 5
mais fortes confederações de empresários (agricultura, comércio e serviços,
indústria, cooperativa e transporte) à negativa de créditos legítimos que as
empresas tem de PIS/Cofins para compensar a desoneração da folha de serviços
negociada com o Legislativo e desrespeitada com a Medida
Provisória nº 1.202/2023, que o Congresso Nacional devolveu ao Governo.
Desde o dia 12/06/2024, o dólar oscila entre 5,40 a 5,42 reais e a Bolsa
caiu quase 2 pontos percentuais. Pesou neste cenário a fala do presidente que
prometeu aumento de tributação e queda de juros, o que afetaria o único
instrumento atual de combate à inflação, que é a política monetária.
Neste quadro, resolveu o Governo, com a catástrofe climática do Rio Grande do
Sul importar arroz. A Confederação Nacional da Agricultura, todavia, mostrou a
desnecessidade da importação, pois mais de 4/5 da safra do Rio Grande do Sul já
tinha sido colhida e o risco de desabastecimento é rigorosamente nenhum.
Transcrevo trecho do livro que escrevi
com Samuel Hanan, que demonstra a importância do agronegócio para o Brasil e a
equivocada visão governamental:
Agrobusiness Brasileiro (2023)
A. 26 a 30% do PIB Brasil (+US$600 bilhões) (US$2.130 Bilhões);
B. 49 a 50% das exportações brasileiras (US$166,55 bilhões);
C. 150% do saldo da balança comercial (US$150 bilhões) - saldo Brasil: US$
98,84 bilhões;
D. 30% dos empregos formais;
E. 40% da produção mundial de soja (complexo);
F. 50% da produção mundial de açúcar;
G. 30% da produção mundial de café;
H. 80% da produção mundial de suco de laranja;
1. 25% da produção mundial de carne bovina;
J. 30% da produção mundial de carne de frango.
BRASIL-POTÊNCIA MUNDIAL DE PRODUÇÃO DE ALIMENTOS (BRASIL: 2,6% DA POPULAÇÃO
MUNDIAL)
(Brasil – Que país é esse? – Editora Valer, pg. 41)
Ora, no momento em que o Governo resolve comprar no exterior arroz que temos, à
evidência prejudica empregos e empresas brasileiras que poderiam fornecer o
produto.
A reação do setor do agronegócio tem sido, pois, coerente e imediata. Explicam,
à exaustão, a desnecessidade da importação, mostrando que o governo gastaria
dinheiro que não tem, levando em consideração sua dívida e, por outro lado,
prejudicaria empregos de produtores e comerciantes de arroz que tradicionalmente
atuam no país.
O governo, todavia, fez o primeiro leilão e empresas sem nenhuma tradição no
mercado e sem força econômica suficiente ganharam, o que o obrigou a
cancelá-lo, sobre pairar ainda a suspeita de ilicitude no pregão.
A grande questão que se coloca é a seguinte. Se não temos dinheiro para gastar
num arcabouço fiscal cada vez mais inconfiável, se o governo não precisaria
importar porque tem arroz suficiente para o Brasil, se nossa dívida chegou a
mais de um trilhão de reais, por que importar arroz, vale dizer, queimar
divisas para comprá-lo no exterior?
Não gostaria de lembrar Shakespeare, embora pertença à Academia William
Shakespeare, mas que há algo de muito errado nas finanças do Governo Federal,
não há dúvida de que há.
*Ives Gandra da Silva Martins é
professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O
Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme),
Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª
Região, professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin
de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das
Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da
Universidade do Minho ( Portugal), presidente do Conselho Superior de Direito
da Fecomercio -SP, ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do
Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).
Foto: Andreia Tarelow.