O risco da sujeição do Presidente do Banco Central ao presidente da República
*Ives Gandra da Silva Martins
O Banco Central decidiu, por cinco votos a
quatro, reduzir os juros Selic na base de 0,25 ponto, e não 0,50 como
queriam quatro daqueles membros do Copom ligados ao presidente Lula.
Quero trazer aos leitores uma explicação muito simples do controle da
inflação. O mundo inteiro e todos os economistas de todos os países, sabem que
se controla a inflação, fundamentalmente, através de política monetária,
isto é, com utilização dos jur os, e através de contas públicas em
controle, não geradora de déficits que,sendo bem administrada, permite o
equilíbrio da multiplicada política financeira e da política monetária.
À evidência, a fórmula que Galbraith considerada ideal e criada por Fisher, no
início do século passado, reside na equação . O nível dos preços será
estável se a velocidade da circulação da moeda por sua quantidade, divididas
pelo volume das transações permanecerem estáveis.
O ex-ministro Paulo Guedes (governo anterior), que Roberto Campos, o
avô, considerava um dos melhores economistas brasileiros, segundo o que me
disse, controlou as contas públicas com tranquilidade. Naquele período chegamos
a ter um superávit nas contas públicas, de 50 e poucos bilhões de reais, ou
seja, um sal do no ano de 2022 de 0,2% do PIB.
O presidente Lula gasta de uma forma absurda, incoerente, incorreta e, de
acordo com A Folha de S. Paulo, aventureira (13/05/2024 – Editorial – pág.
2). Todos os economistas, que escrevem nos jornais mais importantes
de São Paulo, têm criticado essa capacidade aleatória, sem definiçõ
es e sem planejamento, de gastos do presidente da República. Não sou
eu quem digo. São economistas de jornais do porte do Estado de S.
Paulo e da Folha de S. Paulo.
Não houve política orçamentária, porque, ao contrário do
superávit dos 51 bilhões no último ano de Bolsonaro, tivemos um déficit no
primeiro ano do governo Lula no montante de 270 e poucos bilhões de
reais, não por conta dos precatórios, que foram a penas de 90 bilhões
de reais. Temos, pois, no país, somente política monetária para combater a
inflação.
Reconheço que o ministro Fernando Haddad tem se esforçado
para controlar as finanças. Foi um erro, entretanto, eliminar o teto de gastos, que
proibia que o governo gastasse se não tivesse dinheiro. Mesmo assim, ele
tentou um arcabouço fiscal para conciliar a capacidade de gastar sem
definição de receitas por parte do presidente Lula e a necessidade de
lutar pelo equilíbrio das contas públicas. Nisso foi até desautorizado
pelo presidente da República. E, hoje, o arcabouço deságua por todos os lados.
Mas o certo é que nós não temos política fiscal. O presidente continua
gastando. As previsões de um déficit zero para 2025 já estão praticamente
esgarçadas. E só resta a política monetária que, se por um lado tem que
ser mais dura pela falta de control e que as finanças públicas enfrentam, por
outro lado, os problemas de, nos Estados Unidos, os juros estarem sendo
mantidos na base de 5,5%, em dólares, o que vale dizer, na prática,
isto representa que há uma tendência universal de ao invés de se aplicar
dinheiro no Brasil, aplicar-se dinheiro lá fora. À falta de recursos, portanto,
de fora e dos gastos que superam sua capacidade de arrecadação, o Brasil
vai se endividando. Por isso, temos crescido, mês após mês, no governo
Lula, em endividamento público.
Essa é a razão pela qual cinco dos membros do Copom entenderam que não era o
momento de se reduzirem os juros, visto que o governo só conta com a
política do Banco Central para controlar a inflação, já que não há um
controle de gastos. Os economistas têm, pois, grande receio de que as
contas públicas continuarão a despencar.
O que preocupa - é isso que gostaria de trazer aos leitores-,é que
para os cinco dirigentes do Copom que votaram pelo 0,25, com moderação na
redução, em face desses elementos preocupantes, tiveram quatro votos
contrários, daqueles que foram indicados pelo president e Lula. O que vale
dizer: a expectativa de gasto por parte do governo que levaria uma redução
menor, não foi compreendida pelos membros indicados pelo presidente
da República.
Ressalto que no fim deste ano teremos um novo presidente do
Banco Central. Possivelmente, será um desses quatro que queriam uma
redução maior de juros para diminuir a força da política
monetária, apesar de não ter força nenhuma na política orçamentária.
Isso causa perplexidade, e não sem razão estamos vendo a popularidade do
presidente Lula cair. A preocupação de analistas brasileiros e do
exterior é de que corremos o risco de não ter condições de melhorar nosso
desenvolvimento, mas mais do que isso, infelizmente devemos piorar.
Se vier um presidente que resolva não dar a independência que o Banco
Central deveria ter em relação ao Poder Executivo para garantir uma
política monetária, na falta de política orçamentária, e se tivermos um
presidente do Banco Central submetido ao presidente da Repú ;
;blica, não adotando o comportamento dos bancos centrais de todo o
mundo - como ocorre, por exemplo, com o presidente do Banco
Central do Sistema da Reserva Federal americana que age para
controlar a inflação -, corremos o risco de não termos nem
política financeira, nem política monetária quando o Banco Central
perder Roberto Campos Neto. Poderá transformar-se, pois, apenas em um agregado
do Poder Executivo, seguindo o que pretende o presidente da
República. E corremos o risco de não ter, para combater a
inflação, nem política orçamentária e financeira de contas públicas,
nem política monetária.
É essa grande preocupação que fiquei após ver que por apenas 5 a
4 pode o Banco Central reduzir em 0,25% e não 0,50%, como
queriam os indicados do presidente Lula, em uma sinalização de que a
política monetária para o presidente da República e para os seus
indicados poderá não ser um instrumento de redução inflacionária.
*Ives Gandra da Silva Martins é
professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O
Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme),
Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª
Região, professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin
de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das
Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da
Universidade do Minho (Portugal), presidente do Conselho Superior de Direito da
Fecomercio -SP, ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do
Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).
Foto: Andreia Tarelow.