Lei 14.803/24 deixa algumas dúvidas legais e operacionais
*Ana Paula De
Raeffray
Publicada recentemente, a Lei nº 14.803 altera a Lei nº 11.053/2004, que dispõe
sobre a tributação dos planos de benefícios de previdência privada. A
alteração, há muito tempo esperada pelo mercado de previdência privada, trata
apenas do momento em que o participante deverá exercer a opção pelo regime de
tributação dos valores que lhe serão pagos pelo plano de previdência privada
que contratou, seja a título de benefício, seja a título de resgate parcial ou
integral dos valores das reservas acumuladas.
A partir da Lei nº 11.053/2004, o governo brasileiro modificou a legislação
tributária com o objetivo de estimular a poupança previdenciária, adotando uma
nova opção de tributação pelo regime regressivo para os planos de previdência
privada estruturados na modalidade de Contribuição Definida ou de Contribuição
Variável, a qual passou a conviver com a tributação pelo regime progressivo
tradicional. Dessa forma, o participante, ao aderir ao plano de previdência
privada, estava obrigado a optar ou pelo regime regressivo de tributação ou por
permanecer no regime progressivo tradicional.
Quando o participante ingressa no plano de previdência privada, seja aquele
ofertado pelas entidades fechadas de previdência privada, seja aquele ofertado
pelas entidades abertas ou companhias seguradoras, ele não dispõe de elementos
suficientes para saber qual a opção mais favorável para tributação de seus
rendimentos futuros.
Isso porque ele, ao aderir ao plano de benefício, não
conseguiria estimar quanto tempo permaneceria vinculado ao contrato de
previdência privada acumulando reservas para o pagamento do seu benefício
futuro, de modo que, de pronto, reconheceria qual o regime tributário mais favorável.
Os investidores, a partir desta lei, poderão escolher entre a tributação
progressiva ou regressiva no momento do resgate do patrimônio acumulado e não
mais na contratação do plano.
O regime regressivo do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), estabelecido
pela Lei nº 11.053/2004, conta com alíquotas regressivas, de 35% a 10%,
conforme o prazo ponderado de acumulação de reservas pelo participante. Então,
ele pode ser benéfico para aqueles que pretendem permanecer no plano de
previdência privada por mais de dez anos, quando a alíquota fica no seu menor
patamar. Já no regime progressivo tradicional, as alíquotas são crescentes, até
27,5%, por faixas de renda, incidentes sobre o valor do benefício. Nesse
regime, há o ajuste de alíquota na declaração de renda anual, considerando-se o
somatório dos rendimentos tributáveis percebido pelo participante.& lt;
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Diante desse panorama, desde 2019, estava em andamento o projeto de lei que
resultou na Lei nº 14.803/2024, sendo bastante aguardado pelos participantes
dos planos de previdência e, também, pelas entidades que os administram.
A Lei nº 14.803/2024 altera apenas o momento em que será exercida, pelo
participante, a opção pelo regime de tributação estabelecendo que, a
partir de 11 de janeiro de 2024, será até o momento da obtenção do benefício ou
da requisição do primeiro resgate, inclusive liberação parcial.
A nova lei, entretanto, embora muito benéfica para o setor de previdência
privada, deixa algumas dúvidas legais e operacionais que precisarão ser
dirimidas já com a sua vigência em curso, posto que se iniciou, sem nenhuma
ressalva,em 11 de janeiro.
Uma questão relevante é o período de exercício da opção, fixado no parágrafo 6º
do artigo 1º da Lei nº 11.053/2024, quando é utilizada a expressão “até o
momento da obtenção do benefício”. O objetivo da norma é trazer segurança para
o participante na sua opção de tributação. Assim, a expressão “até” retira essa
segurança, porque, na verdade, o participante de plano de previdência privada
somente possui uma visão clara da melhor forma de incidência tributária no
momento que obtém o benefício ou que efetua o resgate to tal ou parcial, quando
avalia o seu período de acumulação de reservas e a relação contratual como um
todo.
Antes desses eventos, ele continua trabalhando com prognósticos que podem não
corresponder à realidade. Outra questão relevante está relacionada ao parágrafo
8º do artigo 1º da Lei nº 14.803/2004, quando é fixado que “caso os
participantes não tenham exercido a opção pelo novo regime tributário de que
trata este artigo, poderão os assistidos, os beneficiários ou seus
representantes legais fazê-lo, desde que atendidos os requisitos necessários
para a obtenção do benefício ou do resgate”.
A dúvida surge quanto à possibilidade de que aqueles
participantes que já obtiveram o benefício (assistidos) antes de 11 de janeiro
e estejam sendo tributados com base no regime progressivo, possam agora opta r
pelo regime regressivo.
A resposta parece ser no sentido de que os assistidos, de fato, poderão optar
pelo regime regressivo, já que, na própria exposição de motivos do PL nº 5.503,
de 2019, é declarada essa intenção pelo legislador, consideradas ainda as
disposições constantes da Constituição Federal impondo o tratamento isonômico
entre os contribuintes, a condição de participante dos assistidos, já que para
efeitos da Lei Complementar nº 109/2001, o assistido é definido como o
participante elegível ao benefício, e determinação constante do Código
Tributário Nacional de que a lei tributária n&a mp;a tilde;o pode alterar
as definições de direito privado.
Existem ainda outras dúvidas e questões, inclusive de natureza operacional, que
deverão ser dirimidas pelas entidades de previdência privada e seguradoras,
envolvendo a portabilidade, o período de opção, os empréstimos a participantes
e outras questões que surgirão da execução da norma.
*Ana Paula De Raeffray é
advogada, doutora em Direito pela PUC-SP e sócia do escritório Raeffray
Brugione Advogados.