O infame julgamento de Cristo e o perfil de um magistrado
*Ives Gandra da Silva
Martins
Aproveitando a celebração da Semana Santa e da Páscoa, levo aos meus leitores a
reflexão que segue. Falo sobre aquele que foi o julgamento mais infame da
história da humanidade: o de Cristo. As pessoas que queriam condená-lo à morte
forjaram as provas, pois não se conformavam com os milagres que Cristo fazia e,
por isso, resolveram condená-lo à morte.
Fizeram com que o próprio Pôncio Pilatos, governador da Judeia, não tivesse
coragem de enfrentar os juízes que condenaram Cristo à morte. Isso nos permite
passear pela História e lembrar também outros julgamentos sórdidos.
Josef Stalin, o governante comunista da antiga União Soviética, por exemplo,
julgava seus adversários sem lhes dar nenhuma possibilidade de defesa e mandava
matá-los. Milhões de pessoas foram mortas por Stalin. Hitler também julgava os
judeus sem nenhum direito à defesa e, sempre condenados, eram mortos. Fidel
Castro mandava fuzilar seus adversários no paredón, eliminando-os, sem sequer
iniciar o processo, por acreditar que eram inimigos do regime comunista.
De rigor, o pior aspecto de um governo no exercício do poder é, certamente, a
negação do direito à defesa.
Nunca aceitei cargos no judiciário, nunca prestei nenhum tipo de concurso.
Sempre escolhi a advocacia. Sempre quis exercer e exerci a profissão de
advogado e de professor universitário. Isso porque considero que o direito de
defesa é o mais sagrado direito numa democracia.
Vale ressaltar que, quando os juízes deixam de ser imparciais, quando passam a
pretender que a sua opinião prevaleça e não obedecem à lei, procurando fabricar
provas, quando isto ocorre em qualquer país do mundo – como aconteceu nas
grandes ditaduras e, às vezes, até nas democracias –, nós estamos,
efetivamente, numa democracia fragilizada, a caminho de uma ditadura ou em
plena ditadura.
Como dizia o ministro do Supremo Tribunal Federal, André Mendonça, em recente
palestra num congresso em homenagem aos meus 90 anos, “O juiz tem de ser
absurdamente imparcial, moderado, justo”. Ele não pode se deixar levar por
fatores que apenas confirmem sua opinião quando tiver que condenar. Ele não
pode ter uma opinião preconcebida; deve analisar as provas.
A imparcialidade é o elemento mais
importante para um julgador
Porque quando se coloca na cadeia alguém inocente, ou se vem a se arrepender
depois da decisão – mas essa pessoa perdeu um, dois, três anos da sua vida –, é
evidente que isso deve gerar um problema de consciência ao magistrado. Se eu
fosse magistrado e condenasse alguém, e depois percebesse que eu teria de
absolvê-lo porque aquilo não correspondia à realidade, eu passaria a vida
inteira com um problema de consciência por causa daquele caso isolado. E se
alguém morresse em função da minha desídia em examinar um processo em que havia
necessidade de atenção, o meu drama seria muito maior.
Por isso, dizia o ministro André Mendonça, na palestra desse congresso, que a
imparcialidade, a moderação, a possibilidade de examinar as provas existentes,
e não a sua opinião pessoal, anterior ao próprio julgamento, devem ser o maior
e mais importante requisito.
Não se limitar à justiça formal, mas, primordialmente, evitar a injustiça: essa
é a essência da missão do magistrado.
Tudo isso me veio à mente porque, no Domingo de Ramos, nos preparávamos para o
mais infame julgamento da história, aquele que levou Cristo a ser condenado a
uma morte dolorosíssima: a crucificação
E sugiro aos meus leitores que pensem muito em suas falhas pessoais e em como
estamos vivendo. E que tentemos, finalmente, nos reconciliar com Deus, ver como
podemos corrigir nossos erros, enfim, como entramos numa rota que nos permita
aproveitar a ressurreição de Cristo de uma maneira em que, efetivamente,
vivamos com Deus em nosso coração.
*Ives Gandra da Silva Martins é
professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O
Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme),
Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª
Região, professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin
de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das
Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da Universidade
do Minho (Portugal), presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio
-SP, ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos
Advogados de São Paulo (Iasp).
Foto: Andreia Tarelow.