Artigo: A dança das cadeiras
*Marco Antonio
Spinelli
Diante da Sociedade do Espetáculo, e do mundo da Pós Verdade em que vivemos, bem que eu pensei, depois do choque inicial com a cadeirada que o jornalista e candidato José Luiz Datena deu no também candidato Pablo Marçal, bem que eu me perguntei se Datena, ao contrário dos outros candidatos, (com exceção de Pablo Marçal e Tabata Amaral) tinha finalmente aprendido a fazer marketing digital nesses tempos de Lacração: ele criou o meme da noite, da semana, da eleição.
Sua imagem dando a cadeirada no opositor, que pronunciou todo tipo de insulto e de ilação visando desequilibrar o adversário, correu as redes, bombou em menções, só não explodiu nos trending topics do X (prefiro Twitter) porque o mesmo está proibido no Brasil. Ele conseguiu uma atenção esmagadora nas redes, além de ter oferecido o mesmo destaque ao agredido: esse sim, querendo levar uma cacetada para ganhar as visualizações que tem perdido para a propaganda gratuita de Rádio e TV, mídias paleontológicas que Datena domina muito bem.
Não tenho a pretensão de ser psiquiatra do Datena, nem fazer apreciações diagnósticas com relação a seu estado clínico atual. Vou apontar algumas observações sobre seu comportamento que são de domínio público e pretendo fazê-lo com muito mais respeito que os palpiteiros e haters de plantão. Em entrevista para um Portal importante do Youtube, Datena começou a falar da riqueza da experiência andando nas ruas, em contato com o povão sempre sofrido e sempre ludibriado pelos salvadores da vez.
Ele, que não tem uma vida social muito ativa, foi tocado por essa vivência, durante a campanha. A jornalista, delicadamente, observou que ele estava falando em tom de balanço e despedida. Ele respondeu, em lágrimas, que estava fazendo de tudo, mas não conseguia fazer as pessoas votarem nele. Abandonou a entrevista chorando copiosamente, sem conseguir completar a mesma. Em outro debate, diante de mais uma sarabanda de insultos da parte do influencer Pablo Marçal, já tinha esboçado a vontade de agredi-lo, parando no último momento. Dessa vez, Pablo Marçal debochou e falou que não tinha sido homem de completar sua intenção. Se o conceito de hombridade é esse, então lá veio a cadeirada.
O fato é que Datena está aparentemente com dificuldade de Regulação Emocional, com essas explosões estranhas para um comunicador tão experiente e curtido em todo tipo de embate. Conta para sua carga de estresse, que está muito alta, a evidente dúvida que sempre teve ao ensaiar, e recuar, sobre sua entrada na política. Talvez o medo de se expor a esse tipo de ataque que se faz hoje na selva digital.
De olho nos seus votos, Pablo Marçal o chamou de milionário que nada faz pelo povo, mencionou que foi acusado de assédio e calou sua acusadora com dinheiro e finalmente achincalhou sua hombridade. Acting Out, em Psiquiatria, é quando se passa ao ato, sem a intervenção do nosso Cérebro Racional. Datena passou ao ato. Não o fez de forma deliberada. Não foi um meme deliberado. Eu acho.
Uma pesquisadora, Molly Crockett, fez uma bela exposição no canal Big Think, no Youtube, sobre porque nosso Cérebro adora a Indignação, o Ultraje, e a sensação de punição das “pessoas más”. Áreas do Cérebro ligadas ao prazer e à recompensa são ativadas quando alguém é punido por seus malfeitos. Por isso, filmes de vingança tem tanto público. Garanto que essas áreas do Cérebro do público ficaram acendendo de prazer ao rever a cena, de um falando “Você não foi nem homem para me bater...” e pumba! Agora foi.
A agressão física e a Passagem ao Ato caracterizam um sinal de disfunção e é um sinal doença quando realizada. A agressão caracteriza um crime, e vai ser tratada como tal. Mas a política de canalização do ódio, de moagem de biografias e de lacração baseada em notícias e ilações falsas são também criminosas e são mais difíceis de caracterizar e punir.
No debate dos candidatos à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump afirmou que animais de estimação de uma pequena cidade americana tinham sido devorados por imigrantes. A técnica é conhecida: pintar graficamente uma imagem repulsiva, atribuir a culpa a uma minoria (Hitler fez isso com os judeus) e, diante da indignação geral, aparecer como salvador. Kamala Harris, a vice presidente americana e candidata contra Trump, foi gargalhando e apontando para ele, assim dizendo: vocês acreditam nesse cara? Trump foi prontamente desmentido pela equipe jornalística do programa, e levou uma surra memorável no debate.
O terrorismo da política da Lacração, do Insulto e da
maledicência digital pode ser enfrentado dessa forma, e está sendo enfrentado:
com bom jornalismo e com o deboche diante do ridículo. Se você cair na cilada
de se indignar e tentar mostrar o absurdo que está sendo dito, perdeu. Se der
uma cadeirada, a Democracia perdeu. E perdemos junto.
*Marco Antonio Spinelli é médico,
com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de
orientação junguiano e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre
muita pressa”