Pacificação Nacional – A absolvição política de Lula e a anistia aos baderneiros de 8 de janeiro
Tenho esperança de que possamos começar a pacificação
nacional através do Supremo Tribunal Federal, fazendo uma revisão das
condenações dos envolvidos nas badernas do dia 8 de janeiro.
Digo isso por conta da decisão política que absolveu o presidente Lula, em
razão da mudança de foro de competência. Afinal, ao recomeçar todo o processo
em outra instância, a prescrição atingiu todos os processos vinculados àquela
condenação.
Ora, foro incompetente é matéria processual. No início do curso de Direito, nas
disciplinas de processo civil e processo penal, aprendemos que a primeira coisa
a se verificar, ao ingressarmos com uma ação, é se o juiz é competente ou não para
julgar aquele caso.
O que vale dizer que um aluno de segundo ano de faculdade de Direito, de
qualquer uma das mais de 1.700 que existem no Brasil, que não soubesse avaliar
se um juiz tem competência para examinar o caso, seria reprovado imediatamente.
Mas o que ocorreu? Teoricamente, tivemos um juiz, três
desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, cinco ministros do
Superior Tribunal de Justiça e onze ministros do Supremo Tribunal Federal que
entenderam que o juiz Sergio Moro tinha competência de foro para julgar aquele
processo. Só algum tempo depois, estranhamente, se descobriu que havia uma
incompetência territorial para aquele julgamento.
Será que profissionais tão habilitados para serem Ministros, poderiam cometer
um erro tão elementar? Não! Todos eles são grandes juristas; eu os conheço e
tenho livros escritos com a maior parte deles.
Seria desídia não ter examinado um processo dessa relevância com o devido
cuidado? Também não! Todos eles têm legiões de assessores. Estou, pois,
convencido de que foi uma decisão política para resgatar a figura do presidente
Lula, numa tentativa de pacificação nacional e na esperança de que esquerda e
direita pudessem ter um caminho comum.
Assim, o presidente Lula foi resgatado por uma decisão
eminentemente política, porque eu não posso, até em homenagem à cultura e
à inteligência de todos eles, acreditar que cometeriam um erro tão
elementar, e nenhum deles tenha se apercebido tempestivamente da
incompetência do juiz Sergio Moro para o referido processo.
Por tudo isso, gostaria de sugerir agora outra tentativa de
pacificação nacional, ou seja, a revisão de todos os processos referentes
a 8 de janeiro.
Em recente entrevista, o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Nelson
Jobim disse claramente que os fatos ocorridos em 8 de janeiro não configuram
um golpe de Estado. Quando é que gente desarmada pode dar um golpe de
Estado? -, indagou Jobim. Nenhuma delas, sem passagem pela polícia,
poderia atentar contra o Estado Democrático. Por que condená-las a 17 anos
de prisão?
O que fizeram contra os baderneiros do PT e do MST, que destruíram
as dependências do Congresso Nacional na época do presidente Michel
Temer? Este imediatamente considerou que não valeria a pena tomar nenhuma
atitude mais drástica.
Em uma palestra que proferiu na Academia Paulista de Letras Jurídicas, ele
disse ter se inspirado no ex-presidente Juscelino Kubitschek, que
anistiou os revoltosos de Aragarças e Jacareacanga e os perdoou.
Tenho a impressão de que seria um gesto de monumental grandeza do Supremo,
da mesma forma que fez a revisão por causa daquele que seria um erro
fulcral imperdoável, fundamental, elementar, que não poderia ser praticado por
qualquer aluno de qualquer faculdade de Direito, de não saber se um juiz seria
ou não competente.
Essa mesma decisão, que foi, portanto, de natureza política,
poderia iniciar uma pacificação, se o Supremo revisasse os processos dos
baderneiros de 8 de janeiro, já que, como disse o ministro Nelson Jobim,
que foi presidente do Supremo, deputado federal e Constituinte, jamais
poderiam ter dado um golpe de Estado, porque não tinham armas.
Talvez pudéssemos começar por aí um grande processo de pacificação para
tentar reduzir essa radicalização que não faz bem à nação
e passássemos a discutir ideias, e não atacar pessoas.
Ives Gandra da Silva Martins é
professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O
Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme),
Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª
Região, professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin
de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das
Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da
Universidade do Minho (Portugal), presidente do Conselho Superior de Direito d
a Fecomercio -SP, ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do
Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).
Foto: Andreia Tarelow.