O Indiciamento de 37 pessoas pela PF – O Episódio e suas consequências
*Ives Gandra da Silva
Martins
Os jornais noticiaram o indiciamento de 37 pessoas em decorrência do que
foi descoberto pela Polícia Federal no encerramento das investigações sobre o dia
8 de janeiro de 2023.
Em primeiro lugar, reitero o que tenho afirmado: é evidente que o assassinato
de políticos eminentes e de membros do Poder Judiciário não engrandece a
democracia; ao contrário, empobrece.
Nas democracias, as idas e vindas, de acordo com as correntes políticas,
decorrem do debate. A única arma que se pode usar de forma consistente na
democracia é a palavra. Por isso, rejeito qualquer forma de atentado violento
contra pessoas que estejam exercendo, ou que venham a exercer, cargos públicos.
Tal conduta não pode ser aceita por ninguém que ame a democracia neste país. Contudo,
sobre esse inquérito, quero fazer algumas considerações.
A primeira é a seguinte: tanto o crime de abolição violenta do Estado
Democrático de Direito quanto o de Golpe de Estado só podem ser punidos quando
houver emprego de violência ou de grave ameaça, de acordo, respectivamente, com
os artigos 359-L e 359-M do Código Penal.
Mesmo que os atos de execução desses crimes tivessem sido iniciados — segundo a
polícia, foram apenas imaginados e pensados, mas não houve a tentativa — e
alguma tragédia tivesse acontecido, a meu ver, não haveria possibilidade
nenhuma da nossa democracia desaparecer. Estou convencido desta afirmação, pela
minha experiência como professor da Escola do Comando de Estado-Maior do
Exército por 33 anos.
Pelo mesmo motivo, desde agosto até novembro de 2022, afirmei repetidamente que
não haveria risco de golpe de Estado. Fiz essas declarações, inclusive, como
presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio, por meio de artigos
publicados no Consultor Jurídico (Conjur) e de manifestações no Congresso
Nacional, sempre sustentando que a possibilidade de um golpe era inexistente.
Disse, inclusive, que essa probabilidade era “zero multiplicado por zero,
dividido por zero, somado a zero”.
Ocorre que, sem o apoio das Forças Armadas, não há possibilidade de golpe de
Estado. Mesmo admitindo — apenas por hipótese — que o Presidente da República
tenha cogitado tal ação, seria impossível concretizá-la sem esse apoio. Até
agora, temos apenas notícias e trechos de diálogos divulgados pela imprensa, e
os próprios advogados dos indiciados afirmaram que estão enfrentando enorme
dificuldade para obter o teor da acusação.
Reafirmo: não havia possibilidade de o Alto Comando do Exército, da Marinha ou
da Aeronáutica aderirem a um rompimento da ordem. Baseio-me, na minha
convivência com coronéis que estavam sendo preparados para o generalato, os
quais demonstravam um compromisso inabalável com a Constituição.
Outro ponto importante é a definição de “tentativa” no contexto legal. Para que
haja um atentado violento ou uma grave ameaça, é necessário que existam atos
concretos que caracterizem a tentativa. Até o momento, não há evidências de
tais atos. Fala-se, por exemplo, de uma pessoa que teria ido à casa do Ministro
Alexandre de Moraes. Tal situação, entretanto, poderia ter sido contida pelas
forças de segurança que acompanham o Ministro.
Se não houve início da execução, ou seja, se os atos necessários para caracterizar
a tentativa não ocorreram, o crime inexiste, conforme determina o Código Penal
(art. 14, II). É fundamental que isso seja apurado com serenidade e o ministro
Alexandre de Moraes, como figura central nesse caso, deve permitir que o
Ministério Público e os demais Ministros apreciem as acusações.
Além disso, a morte de figuras públicas, por mais trágica que seja, não implica
automaticamente no rompimento de uma democracia. Um exemplo disso foi o
assassinato do presidente Kennedy nos Estados Unidos, que não abalou as
estruturas democráticas daquele país.
No momento em que as notícias sobre esses fatos assumem um tom de escândalo
generalizado, é essencial que uma análise seja feita com cautela. Como já
afirmei, rejeito completamente qualquer atentado contra a vida de autoridades,
mas insisto que é necessário examinar se houve ou não atos concretos que
configurem essa tentativa e a de extinção do Estado Democrático de Direito.
Como um antigo professor da Escola do Comando de Estado-Maior do Exército, até
2022, reafirmo que a esmagadora maioria dos generais jamais apoiaria um
rompimento da ordem constitucional. É algo que trago à reflexão, sempre
destacando que devemos buscar a verdade dos fatos com serenidade e
profundidade, examinando todas as provas para, então, definir as consequências
legais.
*Ives Gandra da Silva Martins é
professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O
Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme),
Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª
Região, professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin
de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das
Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da
Universidade do Minho (Portugal), presidente do Conselho Superior de Direito da
Fecomercio -SP, ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do
Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).
Foto: Andreia Tarelow.