Por que é constitucional a PEC que permite ao Congresso suspender decisões do STF?
*Ives Gandra da Silva
Martins
Congresso pode,
sim, suspender e até anular decisões do STF - Está em discussão na
Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda Constitucional nº 28. O que diz a PEC
nº 28 e por que ela é constitucional?
Nela, o Congresso Nacional, por dois terços, pode suspender a eficácia de
decisões do Supremo Tribunal Federal, não de qualquer decisão, mas daquelas que
violarem o artigo 49, inciso XI, da Constituição Federal, segundo o qual cabe
ao Poder Legislativo zelar por sua competência normativa perante o Poder
Legislativo e o Poder Judiciário.
Ora, o artigo 49 diz que é atribuição exclusiva do Congresso Nacional zelar por
sua competência legislativa. É, portanto, do Congresso Nacional, e não do
Supremo, a função, de legislar, como já fez, por exemplo, em relação ao marco
temporal, às drogas e ao aborto.
De acordo com a PEC 28, o Congresso Nacional, nas decisões
que invadam o seu direito constitucional, poderá, por dois terços de seus
membros, suspendê-las pelo período de dois anos, prorrogável uma única vez por
mais dois anos, até que se faça uma lei a respeito, sem que prevaleça a lei
feita pela Suprema Corte. O STF, por sua vez, só poderá manter sua decisão pelo
voto de 4/5 de seus membros.
Muitas vezes, os ministros do Supremo alegam legislar naquilo que, segundo
eles, o Congresso é omisso, mas isso não é constitucional. O que está na
Constituição é que cabe ao Poder Legislativo zelar por sua competência.
O texto da PEC nº 28 também prevê análise imediata, pelos
tribunais, de decisões liminares tomadas individualmente; ou seja, a PEC 28/24
também estabelece a inclusão automática, na pauta dos tribunais, de liminar
pedindo que o colegiado analise decisão tomada individualmente, o que
harmonizará as regras constitucionais em jogo.
Na PEC 28, é dito que o Congresso Nacional suspenderá a lei oriunda do
Supremo, para eventualmente votar algo quanto aquela matéria. Se não for
aprovado nada no período de dois anos, voltará a prevalecer a lei elaborada
pela Suprema Corte, que ao interpretar princípios gerais, se auto-outorga o
direito de fazer leis. A meu ver, portanto, a PEC 28 é de absoluta
constitucionalidade.
Em primeiro lugar, porque é a explicitação do que está no artigo 49, inciso XI,
da Constituição, promulgada em 5 de outubro de 1988. Em segundo lugar, porque
não anula, mas suspende até que se faça uma nova lei. Em terceiro lugar, esta
suspensão só é possível quando a decisão da Suprema Corte invadir a competência
legislativa, que é exclusiva daquelas pessoas que foram eleitas pelo povo, já
que o Supremo não é eleito pelo povo, mas escolhido por um homem só, que é o
Presidente da República.
Ora, esse esclarecimento faço aos leitores, porque há quem diga que a PEC 28 é
inconstitucional. Evidentemente, não o é. É de uma rigorosa constitucionalidade
e até me impressiona porque apenas com dois terços do Congresso Nacional — dois
terços de 513 deputados, dois terços de 81 senadores — é que eles poderiam
suspender a lei elaborada pelo Supremo.
A meu ver, isso até reduz o poder do Congresso Nacional, que, pelo artigo 49,
inciso XI, tem um poder absoluto de suspender a qualquer hora que quisesse e
até de anular decisões que invadam sua competência legislativa, por parte do
Poder Judiciário.
Há outra PEC, a de nº. 50, que é apenas uma reiteração enfática. Ela, que já
foi aprovada no Senado, declara que as decisões da Suprema Corte, no que diz
respeito à constitucionalidade de leis, só poderão ser proferidas, não
monocraticamente, mas por maioria absoluta do colegiado.
É o que já está no artigo 97 da Constituição, embora lá explique apenas que
toda matéria de constitucionalidade terá que ser definida por maioria absoluta
da Suprema Corte. Entretanto, os ministros têm decidido, muitas vezes,
monocraticamente, questões que permanecem, durante anos e anos, à luz daquela
única manifestação.
O que Congresso Nacional pretende é que um projeto de emenda constitucional
pleonástico determine que o artigo 97 seja aplicado em todas as hipóteses em
que se decidir sobre constitucionalidade, que é da competência do Pretório
Excelso.
Então, são duas propostas de emenda à Constituição rigorosamente
constitucionais, e que, a meu ver, se forem aprovadas agora pela Câmara dos
Deputados, nós teremos realmente aquilo que o constituinte de 1988 desejou: que
o Poder Legislativo fizesse as leis, que o Poder Executivo só legislasse com
autorização do Legislativo, por medidas provisórias e leis delegadas; que o
Poder Judiciário fosse o guardião da Constituição, mas jamais legislador
positivo, apenas um legislador negativo: aquele que pode dizer se uma lei é
constitucional ou inconstitucional, mas que não pode fazer a lei em lugar do
Poder Legislativo.
Respeitar-se-ia, portanto, o que o constituinte de 1988 desejou: que os poderes
fossem harmônicos e independentes. Esta é a opinião de um velho
constitucionalista de 89 anos e 60 anos de magistério universitário.
*Ives Gandra da Silva Martins é
professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O
Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme),
Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª
Região, professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin
de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das
Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da
Universidade do Minho (Portugal), presidente do Conselho Superior de Direito da
Fecomercio -SP, ex-presidente da Aca demia Paulista de Letras (APL) e do
Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).
Foto: Andreia Tarelow.