Arautos do evangelho: a verdade
Ives Gandra da Silva Martins
Dircêo Torrecillas Ramos
“Conhecerão a verdade e a verdade os libertará”
João 8:3
“Tu verdad no, la verdad. Vamos juntos buscarla. La tuya guardatela”
Antonio Machado.
O escopo do processo é a pacificação. Decorre que o juiz
deve agir com isenção, equilíbrio, dentro do princípio da isonomia. A ele são
oferecidas as garantias de independência, imparcialidade e determinados casos
de suspeições e impedimentos.
Por outro lado, temos os órgãos de apuração, o Ministério Público, o Advogado
indispensável à administração da Justiça, a Defensoria Pública para atender,
gratuitamente, aos necessitados, Advocacia Pública, previstos na Constituição
Federal, artigos 127 a 135 e 5º, LXXIV, determinante da comprovação de
insuficiência de recursos.
Todos devem agir pautados na moral e na ética. Como ensina Ronald Dworkin, “Los
derechos em serio”, pp. 397 a 411, certas decisões apresentam argumentos
opostos e igualmente bons. O juiz elege uma decisão, não imposta pela razão,
mas a aceita ou aceitável. O que o público deve esperar é a eleição sincera,
tomada em momento de calma, livre de prejuízos ou fanatismo.
A convergência de todos os agentes nas atitudes dirigidas ao bem e ao certo,
visando a duração e a celeridade processual, art. 5º, LXXVIII, da Constituição
Federal, aliadas à correta aplicação dos recursos, embargos, agravos, para
revisões, correções, oferecerão a prestação jurisdicional desejada, justa e
aceitável, à pacificação como escopo do processo.
Todavia, quando nos referimos à moral, lembramos do bem e do mal. A ética
conduz ao certo e ao errado. Assim, poderemos praticar o bem corretamente ou o
mal consciente de estarmos errados.
Em certos casos, a imoralidade e a falta de ética são tão grandes, violentas e
desproporcionais que não existem palavras suficientes, para reduzir a termos, o
nível de maldade, de algumas pessoas, senão um vocabulário considerado baixo. A
reação proporcional à ação.
São denúncias infundadas, fantasiosas, maldosas, vinganças,
retaliações, doutrinário – ideológicas, genéricas, contraditórias, vagas, sem
provas, contrárias aos fatos, mentirosas e ilegais. Envolvem cárcere privado,
trabalho escravo, abuso psicológico, abuso sexual e crimes..
Apesar de constituírem denúncias vagas, sem indicar autoria (CF. art, 5, IV),
na base do ouvir dizer, de a mesma pessoa apresentar uma acusação ao jornal e
outra às autoridades, de divergências entre denunciantes, a retratação de
outros, o uso da máquina pública, inclusive do Poder Judiciário, por algumas
pessoas ou grupos que nunca participaram das instituições atacadas, as
acusações inverídicas e graves, com finalidade de injuriar, difamar, caluniar a
Instituição, têm causado impacto negativo na mídia.
Ao tratarmos da corrupção legalizada, poderemos encontrar grupos influentes que
conseguem aprovar normas, favorecendo a eles próprios em detrimento dos demais,
longe do bem e do certo, aproximando-se do mal e do errado. São atos imorais,
antiéticos, mas protegidos pela lei. Quem praticar os mesmos atos, mas não
previstos legalmente, será punido. A imoralidade e a prática são as mesmas.
O exercício tautológico de repetição das mesmas causas, pela mesma pessoas ou
núcleo, com uma construção teratológica, monstruosidade para tergiversar,
procrastinar, em alguns municípios, estados e no exterior, como na Colômbia,
contraria as autoridades que decidiram a favor dos denunciados, arquivaram por
falta de provas, rejeitaram por ilegitimidade, enfim nada encontraram,
caracteriza a litigância de má-fé, com prejuízos irreparáveis, apesar dos
esforços para restaurar a honra e a dignidade.
Pode-se exemplificar com o “Caso Escola Base”. A comparação com o tristemente
célebre “Caso Escola Base” é inevitável. Na década de 1990, uma escola de
educação infantil foi alvo de acusações infundadas de abuso sexual, amplamente
divulgadas pela mídia, antes de qualquer análise judicial. O caso resultou na
destruição da reputação dos envolvidos e no fechamento da escola, apenas para
anos depois, se descobrir que as acusações eram falsas. A precipitação na
divulgação de denúncias poderá ser reeditada uma tragédia similar.
Lawfare. É outro exemplo. No ano de 2009, uma decisão do Conselho Nacional de
Justiça considerou que um certo recordista nacional na propositura de ações
judiciais vinha atuando “com demasiada frequência”, o que levantava a
possibilidade de “abuso do direito de petição”[1].
Essa possibilidade era reforçada pelo fato de que, em nenhum dos procedimentos
provocados, tinha havido “categoricamente qualquer condenação ou punição
imposta aos reclamados/requeridos”. A decisão considerou que tal fato indicava
“a possibilidade de uso abusivo da máquina estatal para a prática de
perseguições de índole pessoal” [2].
Já em 2023, o Ministério Público acusou essa pessoa de
integrar organização criminosa, cujo método consistia em utilizar-se de abuso
do acesso à Justiça, com "ajuizamento de diversas ações e remédios
processuais (…) consubstanciando-se em verdadeira litigância de má-fé", em
detrimento de mais de 500 vítimas, que chegaram a constituir uma associação
denominada "Associação das Vítimas de Eduardo Bottura"[3].
De qualquer forma, nesse caso, o que se vê são “perseguições de índole
pessoal”, como afirmou o CNJ, e feitas sem grande estardalhaço – inclusive, ele
costuma processar veículos de mídia que espalham notícias a seu respeito.
Mas e se, em um sentido mais amplo, alguém resolvesse também utilizar o aparato
judicial “com demasiada frequência”, mas para finalidades mais amplas como, por
exemplo, perseguições de índole política ou ideológica, e, ademais, não
enfrentando a mídia, mas usando-a de modo desvirtuado para colocar a opinião
pública a seu favor?
É justamente o que ocorre nos casos de ‘lawfare’.
Sabe-se que o conjunto de atividades e métodos relacionados à guerra – em
inglês recebe o nome de ‘warfare’ - adquiriu diversas vertentes ao longo da
história. Termos como ‘guerra convencional’, ‘guerra eletrônica’, ‘guerra
psicológica’, ‘guerra biológica’ sempre foram estudados como tendo um conjunto
de métodos próprios. E recentemente, a ‘guerra jurídica’ também entrou nesse
rol.
No ano de 2001, ao analisar as modernas formas de conflito, o Coronel das
Forças Armadas dos Estados Unidos, Charles J. Dunlap Jr., cunhou a expressão
‘lawfare’, que se refere à junção da palavra law (lei) e o vocábulo warfare, e
significa guerra jurídica. O termo pode ser definido como o uso ou manipulação
das leis e jurisdições como ferramenta de guerra, por vezes desrespeitando os
procedimentos legais e os direitos do indivíduo ou grupo que se pretende
eliminar. A particularidade do ‘lawfare’, é que, juntamente com os meios
jurídicos, geralmente utiliza-se de ampla cobertura midiática, não somente para
fazer pressão sobre agentes públicos (juízes, promotores), mas também para
legitimar a ação aos olhos da opinião pública, criando um ambiente psicológico
de aceitação e até de apoio à atuação.
O termo tem tido ampla aceitação no universo jurídico, inspirando obras
reconhecidas – como a do atual ministro do STF, Cristiano Zanin - e inclusive a
OAB já formou diversas comissões com intuito de estudar o fenômeno do
‘lawfare’.
Um caso histórico de ‘lawfare’ movido por agentes de estado parece ser o
narrado pelo historiador Richard Evans, em seu livro ‘O Terceiro Reich no
Poder’ (Editora Planeta, 2014). Segundo consta, na Alemanha de 1936, Joseph
Goebbels, ao perceber que havia menor adesão ao nazismo nas regiões com mais
influência da Igreja Católica, decidiu promover uma ampla campanha jurídica e
midiática contra colégios e seminários e colégios ligados àquela instituição,
“recorrendo ao que pode ter sido um elemento de verdade em algumas alegações, e
então inflando-o além de qualquer proporção a serviço de uma meta política que
pouco ou nada tinha a ver com os casos em questão”, com intuito de “convencer
os católicos comuns de que a Igreja era corrupta e imoral como
instituição”. “Os julgamentos foram criados sobretudo pelo Ministério da
Propaganda, que forneceu relatórios detalhados ao Ministério da Justiça do
Reich e pressionou para que os supostos culpados fossem levados à corte de modo
que permitisse extrair-se o máximo de publicidade”, narra Evans (p. 286 e
seguintes).
Atualmente a tentação do lawfare parece continuar vigorando. Para não
entrar em exemplos políticos, citemos, vários casos, em que reiteradas
investigações e ações judiciais movidas por desafetos ideológicos, em searas
distintas, e em diversos pontos do território nacional, forçaram interessados
ou os pais de alunos a também se organizar em associação para defender a existência
das escolas ou instituições.
Entretanto, os promotores e magistrados que se depararam com esses casos
parecem ter se dado conta de que estavam diante de algum ‘abuso do direito de
petição’, ‘a serviço de uma meta política ou ideológica’, e não entraram nessa
guerra. Prova disso é a quantidade de arquivamentos e extinções sem resolução
de mérito.
Restou, entretanto, a poeira da explosão midiática, que, aliás, serve como
principal indicativo de que não foi um mero caso de ‘abuso do direito de
petição’, mas sim de ‘lawfare’.
Arautos do Evangelho. A Associação foi alvo de uma série de acusações
infundadas, amplamente divulgadas pela mídia, que prejudicaram a imagem e a de
milhares e milhares de famílias. Tais acusações, que sugeriam práticas
inaceitáveis e violações dos direitos da criança e do adolescente, sempre foram
veementemente refutadas. Vale recordar que o Assessor Jurídico do Comissário
Pontifício, Dr. Hugo José Sarubbi Cysneiro de Oliveira, em 26 de abril de 2022,
tornou público uma nota de esclarecimento[4]
A decisão judicial revelou a verdade dos fatos, destacando que, ao contrário do
que foi propagado, todos os pais dos alunos apoiavam os Arautos, evidenciando a
injustiça das acusações e reforçando a confiança e o apoio depositados pelas
famílias em sua missão. A sentença da Juíza de Direito, Dra. Cristina Ribeiro
Leite Balbone Costa, afirmou claramente que "todas as famílias dos alunos
fizeram-se representar nos autos por associação," associação de pais
(AMPARE) — "que constituiu mandatária reconhecida banca de advocacia, como
expressamente aduzido em suas defesas". Para extinguir a ação, a Juíza se
baseou na ausência de condição de necessidade dos substituídos processuais. Ou
seja, os pais dos alunos demonstraram cabalmente sua capacidade de defender
seus interesses, reforçando a ausência de vulnerabilidade social ou
econômico-financeira que justificasse a atuação da Defensoria
Pública.
Neste cenário, manifestam o contentamento pelo restabelecimento da verdade e as
medidas judiciais cabíveis para que as devidas retratações sejam feitas na
mesma proporção das calúnias divulgadas. Não medirão esforços para restaurar
plenamente a honra e a dignidade de da instituição e de seus membros[5].
Sobre essa decisão, bem destacou S. Excia D. Gil Antônio Moreira, Arcebispo de
Juiz de Fora: "E dever de justiça de nossa parte divulgar esta notícia,
pois quando foi para acusar, a Rede Globo e outros canais foram impiedosos nas
suas matérias jornalísticas e agora nada farão para reparar os seus
clamorosos erros. É a Igreja que agora saiu vitoriosa".
Entretanto, o Ministério Público do Estado de São Paulo
interpôs embargo de declaração contra a sentença que julgou extinta a ação
civil pública movida contra os Arautos do Evangelho. Mas neste dia 2 de
setembro, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio da Vara da
Infância e da Juventude, rejeitou os embargos de declaração opostos pelo
Ministério Público. A decisão da Juíza concluiu que não havia omissões na
sentença original que exigissem a intervenção do Ministério Público como autor
da ação.
A rejeição dos embargos representa mais um importante passo no restabelecimento
da verdade. A decisão foi publicada e as partes foram devidamente intimadas.
Este derradeiro processo, extinto pela Justiça de São Paulo, foi o último de
relevância que ainda estava pendente contra os Arautos do Evangelho. É
importante consignar que as autoridades civis de diferentes regiões do
país, após investigações aprofundadas, arquivaram, declararam extintas ou
julgaram o mérito de ações judiciais elou inquéritos.
Faz-se mister destacar que as acusações dos desafetos são praticamente as
mesmas desde 2017, com acidentais variações. Todavia, se realmente existissem
as práticas denunciadas, elas não apenas teriam sido constatadas pelas
autoridades que investigaram e julgaram as questões, como certamente surgiriam
novas acusações após midiático ocorrido ao longo dos últimos sete anos.
Depreende-se que as investigações foram minuciosas, inclusive pelos
supervisores que atestaram a conformidade com as diretrizes educacionais.
Diante das novas informações e decisões extinguiram-se todas as dúvidas na área
civil, com total favorecimento aos Arautos do Evangelho, para o bem comum de
milhares de famílias católicas que apoiaram, através dos pais de alunos e para
a própria Santa Igreja. Indubitavelmente, pela atuação prudente e
conspícua do Cardeal D. Damasceno, após quase cinco anos de acompanhamento de
comissariado, esperamos venha trazer um desfecho vitorioso e feliz da situação
canônica. (CESSANT CAUSA, TOLLITUR EFFECTUS – Cessando a causa, tira-se o
efeito).
*Ives Gandra da Silva Martins é
professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O
Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme),
Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª
Região, professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin
de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das
Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da
Universidade do Minho (Portugal), presidente do Conselho Superior de Direito da
Fecomercio -SP, ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do
Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).
*Dircêo Torrecillas Ramos - Mestre,
Doutor, Livre-Docente pela USP; Professor convidado PUC-PÓS; Presidente da
Comissão de Ensino Jurídico da OABSP, Membro da Comissão de Reforma Política da
OAB-SP, Membro da Comissão de Direito Constitucional OAB-SP; Membro do Conselho
Superior de Direito da Fecomercio; Membro da APLJ - Academia Paulista de Letras
Jurídicas; Membro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo, IPSA –
International Political Science Association, APSA – American Political Science
Association e Correspondent of the Center for the Study of Federalism –
Philadelphia USA.
Livros: Autoritarismo e Democracia, Remédios Constitucionais, O Controle de
Constitucionalidade por Via de Ação, Federalismo Assimétrico e A Federalização
das Novas Comunidades – A Questão da Soberania.
Mais de 500 artigos em jornais, revistas e livros do Brasil e exterior.
Fotos: Ives Gandra: Andreia Tarelow.