Artigo: Agências Reguladoras: finalidade e desafios - Dimas Ramalho
*Dimas Ramalho
As transformações estruturais dos serviços públicos
brasileiros nos anos 1990 tiveram como consequência a criação de agências
reguladoras, adotadas no país com a roupagem de autarquias em regime especial.
A lógica envolvida no emprego dessas entidades é clara: conferir-lhes autonomia
para que possam executar a regulação de serviços concedidos ou privatizados com
menor ingerência política governamental e maior competência técnica. Ou seja,
quando o Estado deixava de ser o prestador direto de importantes atividades
para a população, buscou-se uma solução institucional que pudesse proporcionar
o melhor regramento dos diversos setores econômicos impactados pelas reformas,
como os de telefonia, energia elétrica, óleo e gás, saneamento e transporte,
entre outros.
Inicialmente criadas para atuar na esfera federal, as agências de regulação
logo foram adotadas também em âmbito estadual, à medida que as unidades da
Federação promoviam a concessão ou a privatização de serviços. Em São Paulo,
por exemplo, surgiram a Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo) e
a Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo),
recentemente reformuladas pelo Projeto de Lei Complementar nº 35/2024, de
autoria do Executivo e aprovado pela Assembleia Legislativa em 10 de setembro,
no intuito de atualizar amplamente suas formas de atuação.
O trabalho desempenhado pelas agências é de fundamental importância para a boa
prestação de serviços públicos à sociedade. A elas cabe a regulação dessas
atividades, o que abrange desde a edição de regulamentos específicos para
alguns setores até a aplicação de sanções às empresas concessionárias.
A expedição de normas fixa regras para o atendimento de padrões de qualidade,
continuidade e eficiência dessas atividades essenciais para a população. O foco
deve estar no equilíbrio fino entre as necessidades e os direitos dos
cidadãos-usuários e os deveres das empresas prestadoras, sem deixar de lado os
aspectos técnicos e econômicos envolvidos.
Parte das atribuições dessas autarquias envolve a fiscalização e o controle dos
serviços prestados, cuja finalidade é aferir se tais atividades estão em
conformidade com os contratos assinados com o Poder Público, bem como se elas
cumprem as metas de desempenho e os objetivos buscados. Dentro dessas
atribuições, prevê-se a possibilidade de penalizar as empresas quando sua
atuação se der fora dos padrões contratuais e regulamentares.
Por isso, não é exagero afirmar que a vida cotidiana dos cidadãos se relaciona
diretamente com a atuação de tais entidades públicas. Desde a qualidade da água
que chega à torneira das casas, passando pelo fornecimento regular de energia
elétrica e de serviços de internet e telefonia móvel, até as regras relativas à
operação de aeroportos e rodovias, todos esses serviços pertencem ao campo de
atuação de agências reguladoras. A Artesp, por exemplo, é responsável pela
regulação de mais de duas dezenas de concessões de rodovias no estado de São
Paulo, cuidando de assuntos que envolvem as obras de duplicação e manutenção
das estradas, a prevenção de acidentes, os valores das tarifas de pedágio e a
prorrogação dos contratos vigentes.
Essa amplitude de competências e atribuições das agências reguladoras também
tem gerado críticas por parte da sociedade. A principal delas refere-se à
sensação de desequilíbrio na relação entre os usuários e as empresas
concessionárias de serviços públicos, dadas as incontáveis decisões em favor
destas.
Podemos citar como exemplos a diminuição do limite de
bagagens para os passageiros das companhias aéreas e os constantes reajustes
nos contratos das operadoras de planos de saúde. Critica-se ainda a efetividade
da fiscalização exercida sobre as empresas, especialmente em cenários de falhas
reiteradas, como os constantes apagões elétricos pelos quais passam algumas
cidades paulistas.
O que devemos ter em mente é a missão originária das agências reguladoras, ou
seja, a proteção dos usuários e a melhoria da qualidade dos serviços públicos
prestados. O aprimoramento de suas ações passa pela mobilização e pelo
engajamento da sociedade civil, da classe política e dos órgãos de controle.
Estes últimos, em especial, devem atuar para que as agências reguladoras promovam,
de fato, o equilíbrio do setor econômico em benefício da coletividade. Espero
que o novo marco legal, construído e avalizado pelos Poderes Executivo e
Legislativo do Estado, impulsione mudanças nesse sentido.
*Dimas Ramalho é Conselheiro do
Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.