Sexta-feira, 26 abril 2024
 
Facebook

Artigo: O difícil contraditório

José Renato Nalini é Reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da UNINOVE e Presidente da Academia Paulista de Letras – 2019-2020

Quem estudou ciências jurídicas logo teve de incursionar pelo inevitável tema do contraditório. Um princípio com estatura constitucional, que significa, em síntese, ouvir ambas as partes antes de tomar uma decisão. Como os processualistas gostam de fazer, sofisticaram o contraditório convertendo-o num exercício nem sempre efetivamente exitoso.

O dogma da imparcialidade absoluta, da neutralidade asséptica dos profissionais do direito é uma ficção. Invoque-se, uma vez mais, o magistério de Ortega Y Gasset, a pontificar : o homem é ele e suas circunstâncias. Quais circunstâncias? Todas: sua origem, sua família, sua religião, sua concepção de vida, sua filosofia, suas idiossincrasias.

Seja como for, é um exercício angustiante detectar a verdade na arena de astúcias em que se converteu o processo contemporâneo. Toda uma cena orquestrada para se atingir o resultado que nem sempre significa atingir o ideal da Justiça humana possível.

Bem, este introito foi para dizer que nem sempre conseguimos atinar com todos os lados da estória. Por exemplo: Paulo da Silva Prado (1869-1943), autor de “Retrato do Brasil”, uma das principais figuras da Semana de Arte Moderna de 22, não é unanimidade.

Sempre o admirei como homem fidalgo, de uma das famílias mais poderosas de São Paulo, que fez vida cortesã em Paris dos anos loucos e que inspirou Eça de Queiroz na criação de um dos personagens de “A Cidade e as Serras”.

Pois o esquecido André Rebouças, quando exilado na África, em correspondência com o Visconde de Taunay, recomenda que o amigo encontre, na biblioteca de seu “helênico pai”, o livro “O alquimista”, de Alexandre Dumas Pai. Pois esse drama contém “um estudo psicológico do frenesi de prazeres bestiais, que produz a riqueza mal adquirida...

Assim terás a explicação de Antônio Prado e seu filho Paulo viverem em Paris a devorar com mulheres e cavalos as riquezas arrancadas a escravos africanos e italianos, à custa das mais hediondas traições, desde 1871, a Paranhos, Visconde do Rio Branco, até 1889, a João Alfredo, presidente do Ministério da Abolição”.

Rememora o anátema de Cristo: É mais fácil entrar um camelo no orifício de uma agulha que um rico no reino dos Céus. E completa: “Todo esse frenesi de guerra civil e de bombardeamento tem 90% de gênese plutocrática. Todos esses megalômanos querem ser ricos: - ter palácios, mulheres, carruagens e cavalos!”.

Ainda bem que tudo mudou. Não há mais carruagens. Agora são iates e helicópteros. Quem é que se arrisca a contraditar a mensagem melancólica do injustiçado André Rebouças?