Sexta-feira, 29 mar 2024
 
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Porandubas Políticas - Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com uma historinha sobre o marechal Dutra.

O C pelo X

O marechal Eurico Gaspar Dutra (1945/1951), como poucos sabem, trocava o c pelo x. Ganhou uma marcha carnavalesca no carnaval de 51:

Voxê qué xabê;
Voxê qué xabê;
Não pixija sabê;
Osman Cartaxo, velho amigo da Paraíba, pinça do arquivo de seus engraçados "causos" uma historinha do marechal. De manhã, bem cedo, o marechal saiu do hotel e começou a passear na parede do açude de Pilões, nos confins da Paraíba. O matuto viu aquela figura fardada e tascou:

– Bom dia, coronel;
O velho marechal respondeu de pronto;
– Não xô coronel. Xô o presidente da República;
O matuto emendou;
– Mas não é coronel porque não quer.

Cenário sangrento

Não há perspectiva de melhoria na temperatura política. O cenário exibe sinais de ódio e tiroteio recíproco entre as alas bolsonarista e oposicionista. O último episódio da guerra foi a batalha do domingo, 31 de maio.

As torcidas de times de futebol, principalmente Gaviões da Fiel e Mancha Verde, do Corinthians e Palmeiras, se uniram em raro momento de suas histórias, e foram à avenida Paulista desfraldar a bandeira pró-democracia e com slogans fortes contra o governo Bolsonaro.

Um grupo bolsonarista se formou, com pequeno número, e a batalha começou. A PM apareceu e o pau comeu. As primeiras análises davam conta de que os policiais bateram apenas nos torcedores, e, com um escudo, protegeram os bolsonaristas.

Mas um olhar imparcial para a cena permite dizer que a turma das torcidas bagunçou o coreto. Com depredações e violência.

Os generais

A guerra, até agora contida na frente da política, ganha dimensões mais graves. O general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, era exemplo de moderação no início do governo. Palavra de harmonia e equilíbrio.

Depois de manifestações de insatisfação por parte de seu chefe, o capitão-presidente, Heleno tomou o lugar do general Otávio Rêgo Barros, o porta-voz, e passou a fazer defesa candente de Jair Bolsonaro.

O general Rêgo recolheu-se, até para tratar da Covid-19, que o pegou. E, para surpresa geral, o ministro da Casa Civil, general Luiz Fernando Ramos, que faz articulação política, aparece agora no front como mais um mensageiro: "respeite o presidente".

Pareceu um puxão de orelhas no ministro Celso de Mello, que teve uma mensagem vazada comparando o Brasil com a República de Weimar, Alemanha, golpeada por Hitler.

Luta aberta

Em suma, o que era coisa de bastidor, de conversa entre quatro paredes, vira discurso público. Os generais no entorno do presidente mostram a cara de guerreiros defensores do presidente.

Até o general Fernando Azevedo, ministro da Defesa, que até então se comportava como fortaleza constitucional, tendo produzido três notas com o conceito de que as FA são entidades do Estado e não de governo, apareceu no sábado último, ao lado do presidente, no helicóptero que os transportava a uma manifestação de apoio a Bolsonaro.

Sinalização de que as Forças perfilam ao lado do chefe do Estado. E assim a luta se escancara. O presidente, a toda hora, lembra que tem o apoio das FA. O que quer dizer isso? Temor de impeachment? Um autogolpe?

Mourão olhando

O fato é que inexistem condições – políticas, sociais – para qualquer ato de intervenção por via militar. Os generais do entorno tomam posição ao lado do presidente, o que não significa, segundo os próprios, adesão a uma ação contra a Constituição.

Chama a atenção que o vice-presidente, general Mourão, que era muito expressivo quando dirigia o Clube Militar, hoje é o quadro que expressa moderação. Começa a formar um grupo de admiradores, que o veem como um perfil bem encaixado em eventual vacância da cadeira presidencial.

Maia, a palavra política

Quem interpreta bem o papel das Forças Armadas é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que, nesse início de semana, fez adequada ponderação. Para ele, generais que estão no governo de Jair Bolsonaro (sem partido) não representam as Forças Armadas.

A declaração de Maia foi feita ao jornalista Tales Faria, do UOL: "Um ministro que é general da reserva, ou ainda está na ativa e vira ministro de um governo, não representa as Forças Armadas. Elas [as Forças Armadas] representam o Estado brasileiro.

57 milhões de votos?

Nos idos do passado, quando um político se vangloriava de seus feitos, desfilando milhares de votos, Tancredo Neves, o sábio, retrucava: - Você teve, mas não tem mais.

Pois bem, os bolsonaristas repetem e repetem o bordão: nosso presidente tem 57 milhões de votos. Ora, isso não é mais verdade. Se ainda tem 30% de apoiadores (e há dúvidas se ainda é esse número), haveria 70% contrários.

Todas as pesquisas mostram que cresce sua rejeição. Portanto, há de se ter cuidado no uso das quantidades favoráveis a Bolsonaro. Os próximos tempos exibirão a verdade.

Pressão sobre os governos

A pressão sobre os governadores para que sejam flexíveis à política do isolamento começa a dar resultados. Alguns já tomaram decisões para reabrir áreas do comércio e dos serviços, mesmo de maneira gradativa. Ocorre que, segundo a OMS e outras instituições, não chegamos ainda ao pico da pandemia.

Os recordes de casos – mais de meio milhão de infectados, beirando 35 mil mortos – aparecem dia a dia. Governadores e prefeitos estão com um olho na saúde e outro nas urnas de novembro ou dezembro, de acordo com decisão a ser tomada pelo TSE.

Ninguém quer se aventurar no canto extremo de uma decisão mais radical. O lockdown – medida mais forte de isolamento – foi rompido nas praças onde foi adotado.

O assassinato de Floyd

O imponderável é um fenômeno que visita países de facetas múltiplas. O assassinato de um homem negro, George Floyd, em Minneapolis, EUA, por um policial branco, que o sufocou por quase 9 minutos, colocando seu joelho sobre o pescoço da vítima, era a pólvora que faltava para incendiar a fogueira que se expande pela nação americana.

Trump, que já vinha em queda por seu desleixo na adoção de medidas contra o Covid-19, agora é alvo da indignação social. Milhares de pessoas nas ruas, juntando tanto democratas quanto republicanos, podem se transformar na arma letal contra a candidatura de Donald Trump em novembro. O povo está acompanhando os fatos da política, aqui e alhures.

As ruas no Brasil

Por aqui, emerge a sensação de que as multidões, que não passavam de grupos pequenos até recentemente, começam a redescobrir as ruas. Em junho de 2013, as massas foram às ruas. E agora, manifestações a favor e contra o governo, redescobrem a rua como caminho a seguir para expressar satisfação/insatisfação com o estado das coisas.

Bolsonaro tem interesse em motivar sua galera. Mas comete o erro de antecipar por muito tempo o pleito de 2022. Poucos eleitores têm propensão para aguentar climas eleitorais por muito tempo. O copo da paciência transbordará. Mas há algo que pode ser o carro-puxador das massas: a pandemia e a economia. Mortes e mortes, com medidas que não estão dando certo, causam revolta. E barriga roncando, com pouco dinheiro no bolso para comprar o básico, também enfurece o coração e o sangue sobe à cabeça. Logo....

Tudo não será como antes

"Tudo como antes no quartel d'Abrantes". Como se sabe, a frase quer dizer: nada mudou. E tem uma história por trás. Portugal foi invadido por tropas francesas porque demorou a obedecer ao bloqueio imposto por Napoleão. O general Jean Junot, braço-direito de Napoleão, ocupou a cidade de Abrantes, onde instalou seu quartel.

Nomeou-se duque. D João VI havia fugido para o Brasil. Ninguém se opunha ao general. Tudo era tranquilo. E quando se perguntava sobre novidades, vinha a resposta: "está tudo como dantes no quartel d'Abrantes". Pois bem, leitoras e leitores, não pensem que, após a pandemia, tudo será como antes.

O Novo Normal não fará uma devastação sobre o mundo anterior, mas haverá mudança nos costumes, no trabalho, nas formas de produção, nos costumes e comportamentos e até na política. O Novo Normal não nos levará ao mal. Um tempo de bonança poderá nascer numa era de temperança.

Em alta

- Médicos, enfermeiros(as), profissionais da saúde;
- Trabalho em casa;
- Reflexão sobre a vida;
- Família;
- Jardins e plantas;
- Delivery;
- Redescoberta das ruas;
- Expressão escrita;
- Contemplação do pôr do sol;
- Filmes na TV;
- Valores: solidariedade, amizade, simplicidade, integração de esforços, disciplina, despojamento.

Em baixa

A Coluna deixa esse espaço em branco. Que cada um faça sua lista.

Pequenas lições para candidatos (as)

- Saber ler corretamente o meio ambiente, os novos valores do eleitorado e as motivações de voto;
- Escolher o discurso para o momento adequado;
- Definir segmentos-alvo do eleitorado. O Brasil torna-se mais racional;
- Selecionar sólidos reforçadores de decisão de voto;
- Descentralizar a campanha para multiplicar pontos de eco e agregar organizações intermediárias;
- Compor programa simples, objetivo, factível. Atenção na área da Saúde;
- Trabalhar com modelos diferenciados de pesquisa;
- Programar ações de impacto. - Organizar estrutura adequada e estabelecer cronograma prevendo;
Lançamento da campanha (junho/julho); crescimento (julho/agosto); consolidação/maturidade (setembro); clímax (segunda quinzena de outubro – últimas semanas antes eleição); declínio (evitar que esta fase ocorra antes da eleição - novembro ou dezembro):
- Garantir meios e recursos.

T.S. Elliot

"Somente aqueles que se arriscam a ir longe, sabem até onde podem chegar".