O direito de ser ELA!
(Fotos: Flávia Staut).
Andradina - Em 10 de abril de 1995, em Guaraçaí, nascia Marcos Ohio Junior, o filho caçula de Marcos e Cláudia Ohio que já tinham três filhos: Emanuelle (27 anos), Jéssica (23) e Luan (19). “Sempre fui diferente”, fala Marcela Ohio.
Marcela sim, não foi erro na escrita, afinal, Marcos Junior foi o nome de nascimento, atualmente, ela se apresenta como Marcela Ohio – “meu nome social”, informa. Ela não é homossexual, lésbica, travesti ou transformista, Marcela é uma transexual. “Sou uma mulher, apenas nasci no corpo errado”, revela.
Transexualidade é a condição considerada pela OMS (Organização Mundial de Saúde) como um tipo de transtorno de identidade de gênero, mas pode ser considerada apenas um extremo do espectro de transtorno de identidade de gênero. A explicação estereotipada é de "uma mulher presa em um corpo masculino" ou vice-versa.
Se para a sociedade já é complicado entender, imagine para quem vivencia esse “transtorno” e sua família. Para isso, Marcela aceitou o convite do FALA! e contou todos os medos, angústias e interrogações por que passou e, ainda passa.
O descobrir
“Desde pequena, sempre fui diferente, desde pequena sempre quis brincar com coisas de meninas, nunca gostei de futebol, sempre gostei de brincar com as roupas da minha mãe. Mesmo tendo um irmão, eu sempre brincava mais com minhas irmãs, com as amigas delas. Já fiquei com meninas, afinal eu não sabia o que se passava comigo”, conta.
Mas, tudo começou a mudar quando Junior foi fazer aula de dança. “Lá comecei a me identificar. “No início eu pensava que era gay, procurei interagir, mas não era onde me identificava.Foi difícil saber o que acontecia comigo, afinal, não me encaixava nem como hétero e nem como gay”. Mas, mesmo com esta confusão em sua mente, aos 12 anos, Junior assume a possibilidade de ser homoafetivo. “Mesmo assim não me via como homem que gostava de homem. Era diferente”, revela.
Ainda uma criança, a necessidade de se sentir bem o afligia. “Eu me sentia bem com mulheres, falando e agindo como elas. Na dança, encontrei o lado artístico, onde me vestia de mulher para fazer shows. Assumi a Lohana por um ano”, diz. Lohana foi o nome artístico que escolheu onde imitava Lady Gaga e ganhava dinheiro em apresentações artísticas, uma fase que deixou pra trás.
A família
“Quando meu pai descobriu que eu estava me vestindo de mulher, me assumi. Como era para um caminho que ele não queria, foi muito difícil e minha irmã sugeriu que eu fosse morar um tempo com ela na Bahia, pois poderia ser só uma fase e ficando aqui, ele achava que eu estava recebendo influências. Lá o tempo todo me vestia de homem, ia à psicóloga lá e ele aqui. Isso ajudou muito”, lembra Marcela salientando que até então, a palavra transexualidade não fazia parte de sua vida. “Minha mãe mesmo com receio, me apoiou sempre, ela soube lidar melhor com a situação”.
Afinal, todas as incertezas na vida de Junior, também faziam parte da vida de seus pais. “Aí, chegou uma época que para os meus pais ser homoafetivo já era aceitável. Mas, ainda não estava certo, afinal, eu tinha certeza que não era só isso”, frisa.
Neste emaranhado de interrogações, Junior retorna para Andradina. “Me vestia como homem até sair de casa, aí eu me transformava, pois eu sei que sou uma mulher e era difícil aceitar o corpo e os trajes do sexo masculino. Estava vivendo uma dupla identidade”, salienta.
“Até que não aguentei mais, coloquei megahair no cabelo, comecei a tomar hormônio. Quando cheguei em casa de cabelo grande foi um choque, meu pai mandou tirar. Meu desejo era ser uma mulher. Aí com o passar do tempo, ele foi aceitando”.
A hora da verdade
Mesmo sem saber o que se passava realmente, apenas tendo a certeza de que era uma mulher em um corpo errado, e sem a aceitação dos pais, aos 15 anos decidi mudar esta história. “Chegou ao ponto de eu falar aos meus pais que eles me queriam como o filho deles, vestido de homem, e infeliz ou o que eu realmente era e me ajudariam a buscar minha felicidade”, lembra ela com lágrimas nos olhos.
“Eles falaram que mesmo não sendo o que desejavam pra mim, eles iam tentar aceitar e me ajudar a ser feliz”. Neste momento, a Marcela Ohio nasceu e o Marcos Junior ficou apenas no documento. E, com ajuda de psicólogos, ela descobre que é uma transexual.
“Um dia fui com meu pai comprar um celular e ele me apresentou como “minha filha Marcela”, isso me deixou muito feliz, pois finalmente ele me aceitou do jeito que sou”.
Nasce, Marcela
Agora, 24 horas do dia como mulher, Marcela tem em mente a carreira de modelo. Ela foi escolhida e no próximo mês, outubro, vai representar o Distrito Federal no Miss Brasil T, antes disso já fez vários casting e trabalhos. Para desfilar no Miss Brasil T, Marcela ganhou dos pais a cirurgia de mama, colocou 270 ml de silicone em cada seio. “Meu desejo era colocar mais, mas para desfilar este tamanho combina com meu corpo”, informa. Ela ainda sonha em fazer a operação de readequação de sexo. Para isso, precisa ser maior de idade. “Meu documento não condiz com quem sou, mas vou mudar isso”, avisa.
“Ainda há muita barreira a ser quebrada, muito preconceito, até mesmo na área de modelo, mas que vou tirar um a um do meu caminho, pois todos devem entender que acima de tudo sou uma pessoa e tenho direitos e deveres como todo mundo”, finaliza Marcela.
Marcela Ohio
Altura: 1,80m
Peso: 62kg
Profissão: estudante e modelo
Ícone: Gisele Bündchen
Admiração: Lea T
Sonho: o direito de ser Marcela